Conferência Internacional de Mulheres em Frankfurt
O primeiro princípio da luta pela libertação das mulheres é organização. Liberdade não pode ser alcançada sem organização. É necessário transformar protestos em estruturas permanentes. O comprometimento das mulheres com a mudança sistêmica, em nosso momento do começo do século 21 torna essa luta por liberdade possível. Portanto nós devemos elevar o nível da nossa luta. Devemos organizar nossa oposição e organizar nossa luta contra sistemas de governos autoritários e ditatoriais. Se nossos esforços não forem integrados em um movimento coesivo, a libertação das mulheres estará contendo a si mesma. É chegada a hora de fazer a revolução das mulheres uma realidade e transformar o século 21 no momento da liberdade das mulheres. As condições são mais favoráveis do que nunca.
Como movimento de libertação das mulheres curdas, nós propomos um nome: Confederalismo Democrático Feminino Mundial pela Unificação das Lutas Femininas
O objetivo do confederalismo das mulheres é melhorar a unidade das lutas femininas preservando nossa autonomia. Como movimentos e organizações de mulheres, nós devemos ser capazes de desenvolver atitudes em comum, superar divisões, definir táticas e estratégias de luta em comum, e cooperar para construir mecanismos em comum. Nós precisamos discutir e conjuntamente definir os princípios de organização necessários para isso. O contrato social, onde nos declaramos um movimento em 2002 e no qual nós estamos trabalhando novamente, pode oferecer um modelo fundamental que em breve compartilharemos com você.
O confederalismo democrático das mulheres não é um conceito totalmente desenvolvido ou um programa. Ao contrário, nós estamos em um processo de discussão que tem sido inspirado, entre outras coisas, por:
Os desenvolvimentos dos últimos anos no Curdistão, especialmente o processo revolucionário de Rojava.
O aumento da participação de grupos internacionais neste processo, assim como a representação de curdos em outras partes do mundo.
O caráter da nossa época, os efeitos nas mulheres, e em contexto, a necessidade histórica de realizar a revolução das mulheres.
Além disso, existem desenvolvimentos internos dos movimentos de libertação das mulheres no Curdistão em nível ideológico, organizacional, estrutural, político e social como a Jineolojî, Co-Presidências, organizações confederadas de movimentos de mulheres. Por exemplo, a maior organização guarda-chuva de mulheres curdas renomeou a si de KJB (Koma Jinên Bilind, Alto Conselho das Mulheres) para KJK (Komalên Jinên Kurdistanê, Comunidades de Mulheres do Curdistão) na assembleia geral extraordinária na Primavera de 2014. Isso não foi apenas uma mudança de nome, mas uma reestruturação de acordo com o confederalismo democrático como concebido por Abdullah Öcalan. Nesse sentido, o KJK não é apenas a maior organização guarda-chuva do movimento de mulheres do Curdistão, mas também, uma estrutura confederada.
Aprendendo democracia
Confederalismo Democrático é um projeto político de democracia de base em uma crítica fundamental ao estado-nação. Confederalismo Democrático é portanto a alternativa política para nosso mundo capitalista de estados-nação modernos. Öcalan descreve sua função e papel no terceiro (“Sociologia da Liberdade”) dos cinco volumes de seu Manifesto da Civilização Democrática, como segue (em tradução livre): “Confederalismo Democrático é a forma política fundamental da modernidade democrática. Expressa um papel vital no trabalho de reconstrução e a ferramenta de política democrática mais apropriada para a elaboração de soluções. Confederalismo Democrático é, portanto, uma alternativa de nações democráticas como o principal instrumento para resolver problemas étnicos, religiosos, urbanos, locais, regionais, e nacionais, cujo ponto inicial é um modelo social fascista, monolítico, homogêneo e monocromático da modernidade capitalista criada pelo estado-nação. Na nação democrática, toda etnicidade, toda religião, toda cidade, todo local, realidade regional e nacional têm o direito de participar com sua própria identidade e estrutura democrática federada.”Confederalismo Democrático como uma estrutura, por outro lado, também é funcional pois ajuda a desmantelar o poder e a dominação e a aprendermos democracia. Direções verticais e horizontais convergem aqui. Inúmeras entidades formam uma unidade organizacional, ao mesmo tempo em que mantém sua autonomia interna. Elas não são organizadas hierarquicamente, em vez disso, representam uma pirâmide invertida na dimensão vertical. Horizontalmente, elas se organizam juntas com outras entidades seja geograficamente ou de acordo com seu conteúdo. Na prática isso significa que, por exemplo, um grupo ecologista local se auto-organiza de forma confederada com grupos ecológicos em outros locais, que são englobados por uma estrutura confederada, mas ao mesmo tempo também está organizada no nível local com os grupos de mulheres, municípios, cooperativas, escolas básicas, grupos de jovens, etc. em conselhos. Essa prática e autodeterminação e autoadministração serve para fortalecer políticas democráticas, o que Öcalan vê como uma unidade de pensamento coletivo, discussão e tomadas de decisão. Para ele, política é oposto de administração estatal. De acordo com Öcalan, o estado é a negação da sociedade política.
Políticas estão no centro da descoberta de soluções para problemas sociais.
Democracia, por outro lado, exige uma sociedade política para que possa vir a existir. A sociedade política é a sociedade que realiza suas liberdades ganhando poder de pensamento, determinação e ação em aspectos essenciais da vida. Sociedades que não se politizam dentro deste escopo não são capazes nem de determinarem seus destinos, nem determinarem sua democracia. Existe portanto, uma relação inseparável entre políticas, liberdade e democracia. Eles só podem existir juntos.
Mais propriamente, nós precisamos de um mecanismo pelo qual o potencial prático e intelectual das mulheres do mundo possa ganhar um formato concreto em escala global e uma efetiva força contrária ao patriarcado possa emergir. Ao fazê-lo, nós devemos ir além de tudo que já existiu, pois estamos em uma fase histórica. Nunca antes, nos 5000 anos de história do Patriarcado a luta pela libertação das mulheres tomou um caráter tão estratégico, e a possibilidade da realização da revolução das mulheres foi tão alta.
Estamos em uma época em que o dilema entre luz e trevas, justiça e injustiça, libertação e escravidão é particularmente evidente na exploração das mulheres. Mas também estamos em tempos onde mulheres insistem em sua própria liberdade como nunca antes.
Nenhum século foi tão favorável a realização das liberdades das mulheres quanto o século 21. O confronto com o internacionalismo no século 21 é outro impulso na ideia do confederalismo das mulheres.
O movimento de libertação das mulheres no Curdistão tem sido desde o início internacionalista, pois é socialista.
Assim como o movimento de libertação curdo dentro da liderança do PKK. Já em sua declaração de fundação em 1978, encerrava com estas palavras: “Vida longa, independência e internacionalismo proletário”. Em sua análise político-ideológica do fim dos anos de 1980 e começo dos 1990, Abdullah Öcalan passou a lidar mais com o socialismo e, nesse contexto, também com o internacionalismo proletário, que ele chama de princípio essencial. Em uma análise [1] de Janeiro de 1990, ele descreve a dialética do internacionalismo no PKK da seguinte forma: “Conforme avançamos a revolução curda como movimento de libertação nacional, nós adicionamos o mais essencial conteúdo internacionalista. Tornamos nossa própria revolução um alicerce da revolução turca por um lado, e um pilar estável de desenvolvimento de libertação nacional e democrática no Oriente Médio, por outro. Nós mantemos uma posição da qual a revolução democrática e o socialismo na Turquia podem encontrar força, e ao mesmo tempo nós somos um apoio que dá força para inúmeros desenvolvimentos democráticos e nacionais de povos menos numerosos. Oquê isso significa? Que dentro do nosso modelo, nós oferecemos uma resposta significativa para desenvolvimentos democráticos e ao socialismo no mundo. Nesse contexto, o socialismo realizado no PKK é a melhor resposta para os esforços de atualização do socialismo.”
A ideia de um novo internacionalismo não é nova.
Dos anos 90 em diante, Öcalan esteve mais preocupado com o fim do socialismo real, o que então levou a mudança de paradigma no PKK após a virada do século. Ao fazê-lo, ele sempre incluiu a ideia e a prática do internacionalismo. Por exemplo, em uma análise de primeiro de Maio de 1993[2] ele se refere aos becos sem com os quais se confronta o socialismo no fim do século 20. Na opinião dele, um dos principais problemas seria que as questões mais importantes do nosso tempo continuam sendo examinadas com análises do século 19. Entretanto, o entendimento de classe deve ser modificado pois a classe trabalhadora como descrita no Manifesto Comunista, por exemplo, não mais existe e o capitalismo não está mais satisfeito com a exploração de classe no sentido mais estrito. Essa época passou. Por certo, esse tipo de exploração ainda acontece, mas é mais presente hoje pois toda a sociedade está presa nesta armadilha. O capitalismo desenvolveu métodos de roubo e opressão que não poderiam ser comparados aos do século 19. Na mesma análise, Öcalan propõe uma nova Internacional e declara necessário a reconceituação da ideologia socialista.
No próximo passo, a ideologia socialista deve tomar a forma de um programa e então reorganizar-se para a ação.
A ideia de um novo internacionalismo não é nova. Muitos pensadores socialistas lidaram com a questão nos últimos 20-30 anos. Isso inclui Murray Bookchin, que em 1993 escreveu um ensaio intitulado “Um Novo Internacionalismo”: “Da perspectiva do fim do século 20, nós certamente devemos exigir mais do que exigiram os internacionalistas do século 19. Nós precisamos construir uma moral de mutualidade na qual diferenças culturas de todos os lados sirvam para avançar a unidade da humanidade; ou seja, um novo mosaico de culturas vibrantes que enriqueçam os relacionamentos das pessoas e apoiem seu progresso, e que não as divida e fragmente em novas ‘nacionalidades’ e um número crescente de estados-nação.”
Para o movimento de mulheres curdas, a questão de um novo internacionalismo para o século 21 tem muito a ver com o caráter dos nossos tempos de uma perspectiva feminina.
Com efeito, constata-se que, que no primeiro quarto do século XXI, a questão feminina está cada vez mais presente como principal conflito social. Abdullah Öcalan declarou no Dia da Mulher de 1998: “Assim como o século 19 foi a era dos partidos burgueses e o século 20 foi a era dos partidos dos trabalhadores, o século 21 será a era dos partidos que puseram a questão feminina como central.” Tem ficado evidente quão certo Öcalan estava naquele começo de século 20. Não apenas nos desenvolvimentos postos em ação sobre a liderança do movimento de mulheres do Curdistão (como a autodefesa das mulheres e o combate ao ISIS [Estado Islâmico], participação igualitária e representação no campo político, o princípio de co-presidência), mas também na crescente luta por liberdade, igualdade, justiça, dignidade e paz mundial. Talvez nunca antes tenham existido tantas mulheres tomando as ruas por seus direitos como hoje.
Talvez nunca antes tenham existido tantas mulheres tomando as ruas por seus direitos como hoje.
Especialmente o Norte Global que perdeu muitas das suas organizações de mulheres ao longo da liberalização dos anos 90, está em uma fase de refortalecimento. Esse ano, greves de mulheres na Europa, por exemplo, as marchas das mulheres nos EUA, assim como campanhas como o #MeToo ou #TimesUp, são provas disso. Entre as mulheres do mundo, sensibilização para as questões de gênero está ganhando força conforme o potencial de conflito aumenta. Isso abre possibilidades para a realização da libertação das mulheres. Ao mesmo tempo, como movimentos de mulheres organizadas, nós somos confrontados com a imensa responsabilidade que vem com a necessidade histórica. O movimento de mulheres curdo tem a convicção que o século 21 será o século da revolução das mulheres. Esse processo já começou, como pode ser visto nitidamente em Rojava. Mas o sistema patriarcal tenta de todos os modos frear esse processo histórico. A concentração de ataques misóginos ao redor do mundo é a prova disso. Por isso é imperativo que as mulheres do mundo todo lutem juntas e assim concentrem sua força coletiva. Pois apenas juntos nós podemos lutar efetivamente contra o patriarcado e todas suas formas de exploração e opressão. O sistema hegemônico mundial é altamente organizado. Para o superá-lo, nós precisamos estar, no mínimo tão organizados quanto ele; senão mais.
Lutando juntas de fato
Como mulheres organizadas para a revolução do século 21, como podemos internalizar essa mensagem? Nas últimas décadas, houve muitas tentativas de formar redes de organizações de mulheres através da qual uma luta comum poderia ser encontrada. Entretanto, nós vemos que os resultados não correspondem as demandas e necessidades do nosso tempo.
Um pilar fundamental do princípio de internacionalismo é a solidariedade internacional. De acordo com a definição marxista, solidariedade internacional também é sobre apoio mútuo. A importância do apoio mútuo entre movimentos revolucionários, movimentos de libertação das mulheres, partidos socialistas de esquerda, organizações anticapitalistas, movimentos de libertação popular, etc. está além de qualquer debate.
Mas nós também pensamos que devemos avançar rumo uma luta em comum.
Apoio Mútuo orientado pela solidariedade internacional é obviamente necessário. Mas não é o suficiente. Ao contrário, precisamos encontrar formas de lutarmos juntos e defendermos uns aos outros. Apoio é uma coisa, mas defesa é outra. A defesa vai um passo além, é mais radical em sua natureza. Vocês se apoiam ao se erguerem um ao lado do outro.
Quando eu defendo alguém, eu me ponho entre ele e o atacante.
Essa é uma qualidade diferente, e motivo pelo qual acreditamos que, para as mulheres, uma reavaliação do princípio de solidariedade internacional é necessário. O confederalismo democrático feminino mundial representa isto. Somos confrontados por mudanças nas circunstâncias e necessidades. Nós reconhecemos que devemos dar um passo além para responder a estas novas circunstâncias e assim mudar nosso tempo. Nós acreditamos firmemente que estamos em um momento histórico e que somente nós como mulheres podemos impulsionar uma revolução que irá efetivamente combater todas as formas de exploração e opressão.
A questão da mulher está no coração de todas as questões sociais.
Essa realidade tem sido cada vez mais reconhecida. A consciência de classe e de gênero das mulheres ao redor do mundo tem se fortalecido. Nós precisamos usar essa grande oportunidade para realizar a revolução das mulheres. Mas, para isso, nós também precisamos lidar com formas de organização conjunta e resistência. Como o movimento de mulheres do Curdistão, nós gostaríamos de executarmos nosso papel e responsabilidade buscando pôr nossa experiência ideológica, teórica, política e prática a serviço de todas nossas irmãs. Portanto, nós discutimos a ideia de um confederalismo democrático feminino mundial, tanto como solução quanto como caminho para uma efetiva, radical e democrática luta comum contra o patriarcado. Nós queremos abrir o máximo possível, a discussão que começamos internamente. Pois isso também é de grande importância: que nós tenhamos discussões, encontremos soluções, tomemos decisões e ajamos em conjunto. Só assim nós realmente seremos capazes de lutarmos juntos.
KJK (Komalên Jinên Kurdistan, Comunidades de Mulheres do Curdistão)
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