Enfrentando o Fascismo em Països Catalans
- Lêgerîn
- há 4 dias
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Por Arran

A análise do desenvolvimento da extrema direita na situação atual é uma tarefa difícil: ela requer noções práticas e teóricas que permitam entender o dinamismo político que está relacionado a um contexto histórico específico. Ainda assim, por mais que seja um fenômeno complexo do ponto de vista internacional, o estudo de casos específicos ajuda a explicar a pluralidade de tendências comuns. Pesquisar sobre o nacionalismo espanhol confirma isso.
O desenvolvimento do nacionalismo espanhol — indefinidamente associado à ascensão e curso da extrema direita — busca estabelecer uma identidade enraizada no imaginário reacionário e formada por diferentes aspectos culturais, históricos e políticos, o que é útil para a manutenção e promoção dos interesses econômicos e ideológicos da classe dominante do Estado. Essa construção nacional busca estabelecer um imaginário unificado da nação. Por esse motivo, o processo de consolidação do Estado espanhol excluiu, de forma administrativa e simbólica, outras identidades, línguas, culturas e nacionalidades.
Isso gerou conflitos, intensificados pelo surgimento e radicalização de ideologias e movimentos políticos conservadores e reacionários.
Essa breve contextualização serve como ponto de partida para situar o renascimento de certos valores do nacionalismo espanhol que recentemente tomaram a cena pública de assalto e,
no melhor dos casos, representaram a renovação radicalizada de tendência conservadoras anteriores: isto é, o compromisso ideológico com a recuperação de uma noção de Espanha anterior à Transição (período de “democratização” da Espanha após o fim da ditadura franquista em 1975), caracterizada pelo programa de exclusão cultural e a promoção de medidas neoliberais. Essa ressurgência é alarmante porque o momento atual de crise e precariedade está permitindo a politização de crescentes setores das classes populares, entre eles a juventude.

Analisando a realidade para tomar a ofensiva
Portanto, como podemos explicar o crescimento da extrema direita nos Estados francês e espanhol? De que forma isso contribui com elementos de interesse para entender a onda reacionária que está se espalhando pelo continente e pelo mundo? Responder estas perguntas requer abordar alguns elementos chave para entender a emergência desta tendência em nosso contexto.
De um lado, em comparação com outros países europeus, nós precisamos apontar o relativo atraso no surgimento de formações de extrema direita com uma representação parlamentar considerável.
O atraso na ascensão eleitoral do VOX e de outras expressões reacionárias da extrema direita, como o Se Acabó la Fiesta (SALF), se deve ao fato de que grande parte dos interesses e aspirações ideológicas dessas facções era tradicionalmente canalizada pelo Partido Popular (PP) e por outros grupos de baixo impacto midiático.
Ao mesmo tempo, símbolos como a monarquia, a polícia e até mesmo o exército se aproveitam da representação da Espanha como território unificado.
No entanto, nos ápices dos confrontos com as aspirações de libertação dos nacionalismos periféricos — recentemente, o Procés Sobiranista, na Catalunha — o alcance dos símbolos e o alcance das opções políticas reacionárias para além dos partidos tradicionais se multiplicaram, especialmente quando esses partidos foram incapazes de monopolizar a subsequente repressão política.

Nos Països Catalans, essa dinâmica se traduziu em governos autônomos com a presença do VOX (1) (no País Valencià e Illes), o triunfo eleitoral do Reagrupamento Nacional na Catalunha do Norte (um território sob dominação francesa), o nascimento do Revuelta (uma organização da juventude associada ao VOX) com presença em toda a Espanha, ou o aparecimento da Alianza Catalana (AC) no principado da Catalunha.
Ao mesmo tempo, esses eventos evidenciaram o fundo reacionário do programa político de algumas formações — como o Junts per Catalunya (JxCat) —, que até então vinham disfarçando sua natureza de classe sob a proteção das aspirações pró-independência do movimento de libertação nacional catalão.
Em um certo sentido, o atual cenário político conclui o processo de reunificação dos porta-bandeiras parlamentares da sociedade: apesar do fato de que, nos anos recentes, o terreno eleitoral sofreu mudanças — caracterizadas pelo crescimento do Podemos e outros candidatos regionais “progressistas”, além das formações citadas acima —, isso não significou uma multiplicação de alternativas de programas. Pelo contrário, em muitos casos, o nascimento destes partidos políticos significou a legitimação de políticas violentas, selando a deterioração da condição de vida das classes populares e, particularmente, da juventude. Isso demonstra o quão falsas são as promessas de uma renovação democrática e que as proclamações “anti-establishment” da social-democracia e da extrema direita, na verdade, reforçam os interesses do grande capital. Em resumo, vinho velho em taças novas. sia cambiato, con l’emergere di Podemos e di altri candidati regionalisti “progressisti”, oltre alle formazioni già citate, ciò non è dipeso da una moltiplicazione delle alternative programmatiche.

Em segundo plano, apesar de momentos como este serem apresentados como alternativas para o desespero, é preciso entender que a extrema direita e seus valores identitários são funcionais para a manutenção da ordem vigente.
Consequentemente, a construção do socialismo em Països Catalans também tem que envolver a luta contra a reação xenófoba num período em que ela canaliza o descontentamento social, especialmente da juventude, contra as políticas parlamentares e institucionais, a crise econômica e ecológica e outros problemas. Portanto, mesmo que a aparente renovação estética de algumas tendências philo-fascistas tenha catapultado eles para a mídia, no ARRAN nós analisamos que a extrema direita no Estado espanhol está historicamente protegida pelas instituições nascidas da ditadura franquista e do regime do próprio Franco.
A esse respeito, o quadro do território espanhol e sua integridade constituem um dos pilares fundamentais do “Españolismo”, ou nacionalismo espanhol, entendido como uma categoria que condensa —nas condições espanholas— muitas das características de outras correntes da extrema direita em outras partes do mundo. Da mesma forma, no Estado francês, o crescimento exponencial do Reagrupamento Nacional e sua oposição à imigração coincidem com a tradução do fascismo europeu.
No mesmo sentido, as políticas promovidas pelo AC (2) não questionam —e nem pretendem fazê-lo— os pilares fundamentais do sistema; de fato, eles contribuem para o reforço deles pela repressão e divisão da classe trabalhadora em um quadro nacional excludente. Em última análise, isso significa que, no curto prazo, a existência dessa matriz de partidos regionais contribui para a divisão da classe trabalhadora e beneficia os interesses do grande capital espanhol, na mesma medida que o faz com ramos autônomos de formações estatais no País Valencià ou nas Illes.

Independentemente da identidade nacional que ela promova, a extrema direita endossa e defende os interesses da grande burguesia.
Antifascismo é luta de classes
Do nosso ponto de vista, o trabalho ou a organização da consciência das nações e pessoas oprimidas começa na premissa de que a disputa nesses territórios transcende a luta de classes num sentido restrito: somando-se as classes autóctones, as classes dominantes em nível estatal enriquecem a si mesmas às custas de manter sua dominação política e econômica. Nestes territórios, o questionamento do sistema de dominação também luta por gerar uma identidade coletiva que vai além dos quadros estabelecidos, tornando isso num possível confronto à ascensão reacionária.
A criação dessa identidade, que, para nosso movimento político, promove a expansão da consciência de classe, precisa considerar que a afiliação nacional é um das camadas do indivíduo e da personalidade coletiva. É muito difícil escapar disso, mesmo que não estejamos conscientes, mas nosso caminho para entender o mundo é também parcialmente condicionado pelo lugar no qual nascemos e que vivemos. De fato, por mais que o capital tenha se internacionalizado, uma grande parte das suas medidas continuam a ser aplicadas porque o seu reforço tem matriz no Estado.
Diariamente, centenas de símbolos reforçam certa ideologia ou ideia de uma nação imersa na administração, nas instituições e nas relações sociais de dominação. Por essas razões, um comportamento ou uma estratégia política que estejam alienados da conflituosa realidade nacional da luta por libertação social dos Països Catalans tendem a reforçar o progressivo desaparecimento dos conflitos políticos e dos traços culturais minoritários.

É neste sentido que as organizações políticas e da juventude precisam promover um processo de conscientização que conecte os traços culturais que constituem a riqueza da humanidade e a dignidade de nosso povo aos conflitos sociais contemporâneos e que articule a noção da integração catalã. Tudo isso precisa ser conquistado usando todas as nossas armas, gerando novas referências numa frente cultural viva e conectada com nossas aspirações sociais e nacionais, renovando a maneira como nos comunicamos, adaptando-se a novas plataformas e dificuldades.
Isto significa dizer que estamos tentando gerar uma identidade catalã em disputa contínua, tanto contra o nacionalismo espanhol quanto contra os mais reacionários centralismos catalães e francês.
Um catalanismo que integre pessoas de fora através da socialização da liberdade e valores igualdade. Essa não é uma tarefa fácil, mas é urgente e indispensável que nós, mulheres jovens revolucionárias, não podemos fugir.
Ao contrário de outros partidos e movimentos políticos, a Esquerra Independentista não busca refúgio em uma ou outra noção pré-existente de catalanismo e nem nega a questão nacional para confrontar a ascensão reacionária. Ao contrário da Alianza Catalana ou das expressões regionais do nacionalismo espanhol, a cultura popular catalã reúne valores de comunidade e está em constantes mudanças e num processo de integrar novos membros da nossa comunidade. Esta noção de identidade confronta as mais reacionárias das visões dos nacionalismos espanhol e catalão por conta da sua vocação internacionalista, fomentada na defesa e reivindicação das características culturais e linguísticas partilhadas em todo o território catalão.

Nossa identidade sob construção é explicada pela história da luta e da resistência que foram lideradas principalmente pelas camadas populares.
Mesmo assim, a renovação da frente antifascista não apenas envolve o entendimento da nossa história, mas também nos força a enfrentar algumas tarefas urgentes. Em primeira instância, a de esclarecer o programa político revolucionário e sua tradução a curto prazo. Em outras palavras, para desarmar as políticas sedutoras da extrema direita, nós precisamos atacar suas fundações, profundamente enraizadas nas entranhas do sistema capitalista. As medidas necessárias para enfrentar a crise atual não estão sendo encontradas entre as ferramentas do sistema capitalista: seja na frente ecológica ou na defesa ao direito à moradia, o fascismo nunca está do lado dos interesses das classes populares.
Por esta razão, um programa concreto precisa incluir medidas como a expropriação da habitação pública para aluguel social, ou políticas econômicas que priorizem a transição ecológica. Esta capacidade estratégica e propositiva precisa ser socializada em todas as frentes da organização popular e permear as diferentes facções da classe trabalhadora organizada, permeando ao mesmo tempo pelo território e pela classe popular não organizada.
A principal represa de contenção da extrema direita não está nas instituições, mas sim nas ruas.

Uma vez que um programa tiver sido elaborado, potencialmente partilhando um número crescente de organizações e espaços do movimento popular, nós temos que fazê-lo efetivo, apresentá-lo para a sociedade e convencê-la pela mobilização coletiva e vitórias de que apenas a organização política pode enfrentar a crise atual. Neste sentido, nós desacreditamos das soluções racistas e xenófobas da extrema direita.
Em nosso território já podemos ver alguns exemplos: as demonstrações ambientalistas de 8 de junho sob o slogan “Saúde. Terra. Futuro”, os clamores contra a turistificação e a destruição das terras pelos Països Catalans, a resposta massiva contra a perpetuação do genocídio palestino e a mobilização anunciada para tomar controle do mercado imobiliário. Todos estes são sintomas de um imaginário esperançoso é articulado nas disputa nos momentos obscuros.
É preciso um imaginário que recupere sua força inspirado pela luta feminista e pelas lutas por libertação sexual e de gênero, as lições aprendidas pelos últimos ciclos de mobilização pró-independência e as novas formas de organização popular. São estes os referentes que, através da inovação das práticas de confronto, denúncia e politização, conseguiram alcançar mudanças ideológicas que empreenderam processos de consciência de classe.

Agora está nas mãos das organizações políticas para sintetizar estes aprendizados e transformá-los em propostas, ações e mobilizações.
Em resumo, está claro que estes são tempos difíceis, mas, para parafrasear Linera: “para os revolucionários, tempos difíceis é o ar que respiramos”. Analisar o inimigo bem, enfrentá-lo em todas as frentes, construir horizontes de emancipação e desenvolvê-los em um presente conflituoso são as tarefas mais urgentes; tarefas que nós, do ARRAN, tomamos com orgulho e compromisso
1.Vox. Partido político espanhol de extrema direita fundado em 2013. Começou a ter relevância midiática e eleitoral em 2018.
2.Aliança Catalana. A Aliança Catalana in Catalan é um partido de extrema direita catalão pró-independentista fundado em Ripoll em 2020.
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